391.

"Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Tendo para essa segunda hipótese, porque há em mim fenômenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registro de seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heteronômios está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenômenos - felizmente para mim e para outros - mentalizaram-se em mim; quero dizer, não me manifestam na minha vida prática, exterior e de contato com os outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher - na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas - cada poema de Álvaro Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia..."
Fernando Pessoa, Quando Fui Outro, fragmento da texto-carta Gênese dos Heterônimos 
p.178

Um comentário:

Registre o que pensou! Não é isso que importa?