444.

"Após essa primeira fase de alegria infantil, há como que um apaziguamento. Mas novos acontecimentos se anunciam, em seguida, por uma sensação de frescor nas extremidades (que pode mesmo tornar-se um frio muito intenso em alguns indivíduos) e uma grande fraqueza de todos os membros; você tem, agora, mãos de manteiga e em sua cabeça, em todo o seu ser, há um estupor e uma estupefação embaraçantes. Seus olhos dilatam-se; estão como que lançados em todos os sentidos por um êxtase implacável. Seu rosto inunda-se de palidez. Seus lábios se contraem e entram em sua boca, como o movimento da respiração ofegante que caracteriza todo homem presa de grandes projetos, oprimido por vastos pensamentos ou que simplesmente toma fôlego. A garganta se fecha, por assim dizer. O palato é ressecado por uma sede à qual seria infinitamente bom satisfazer se as delícias da preguiça não fossem mais agradáveis e não se opusessem à menor alteração do corpo. De seu peito, escapam suspiros roucos e profundos, como se o seu velho corpo não pudesse suportar os desejos e atividades de sua alma nova. De vez em quando, um tremor atravessa seu corpo e o obriga a um movimento involuntário, como estes sobressaltos que, ao fim de um dia de trabalho ou durante uma noite agitada, precedem o sono definitivo." 
Charles Baudelaire, Paraísos Artificiais
p.32

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